Helena

Fiz minha casa no teu cangote e não há neste mundo quem me bote pra sair daqui

Toda história tem um começo, meio e fim. Eu nunca acreditei que a minha teve um fim. Na verdade ela teve um começo estranho, um meio desajustado e um fim imposto. A nossa história.

Helena, era o nome dela. Eu a conheci na faculdade e a gente nunca se deu muito bem. Helena era falante, cobiçada por todos e com uma história de vida maluca. Todas as coisas impossíveis de acontecer na vida de um ser humano aconteciam na dela. Eu era um rapaz que me perdia entre bucetas, peitos, cigarros e cerveja. Por um bom tempo eu apreciei isso. Apreciei sair a noite, sem destino, endividado até a alma, com uma carteira de cigarro, meu fiel companheiro “Zipo” e uns latões. Depois era só encontrar um belo par de pernas, que não criasse caso em abri-las e me deixar afundar a cara e meu corpo lá. Aí eu conheci Helena. Boa merda. Por um bom tempo ela não me acrescentou em nada. Por um bom tempo eu nem sequer suportava Helena.

Eu realmente não lembro como a gente começou a se falar. Acho que a gente pegava matéria juntos e ela veio me perguntar se eu já tinha dupla para o seminário. Como se eu ligasse para seminário. Como se eu ligasse para aquela merda de faculdade, só pra começar a conversa. Naquele dia eu estava inspirado e resolvi ser gentil, responder aquela moça, fazer aquele seminário e de repente Helena me mandava mensagens ao acordar, antes de dormir, ao respirar, almoçava comigo, ia comigo até o ponto e invadiu minha vida com aquela maluquice e tagarelice só dela. Helena ouriçava cada pêlo do meu corpo, azucrinava meu juízo, invadia meus sonhos, me fazia sentir aquelas malditas borboletas no estômago. Helena me possuiu com seus olhos castanhos e sorriso amarelo. Helena me encantou com seu jeito de enrolar o cabelo num coque alto em cima da cabeça. Helena me iludiu com sua mania entorpecente de existir. E eu me apaixonei por Helena, sem dó, sem piedade, sem medo de me afundar naquela merda de sentimento. Helena me fez escrever corações no caderno com nossos nomes.

Ainda me lembro daquela briga. A gente já tinha decidido que não dava mais, que nossa química provocava uma reação estranha. Por um tempo concordamos que isso só vinha nos atrapalhando. Mas eu sabia do bem enorme que ela me fazia (até comecei a frequentar aquela maldita faculdade). Ela sabia do bem enorme que me fazia. Mas existem casais que simplesmente não funcionam juntos. Ela bateu na minha casa, tarde da noite, implorando para que eu não fodesse ainda mais a minha vida. “Que vida, Helena? Que merda de vida eu tenho desde que você desistiu de nós?” “Mas Maurício, o mundo não se resume só a mim.” Eu expulsei-a de casa, sem me importar. “Pega a merda do seu carro e toca pra tua casa, toca pra tua confusão”. Ela fez isso, com lágrimas nos olhos. Tocava Céu na hora. O cd de Céu que eu tinha dado a ela. Helena entrou no carro, nem colocou o cinto, ligou e partiu. Partiu com raiva, arrancando tudo, de um jeito que eu nunca vi igual. O som estava alto, a rua inteira podia ouvi-la cantando junto com Céu. “Fiz minha casa no teu cangoooooote... E não há neste mundo quem me booooooooote... pra saiiiiiiiiiiiir... daquiiiiiiiiiiii”

Eu vi a hora em que o carro não conseguiu frear e bateu na lateral esquerda, acertando Helena. Eu vi a hora em que o cabelo dela voou, o corpo dela voou e o motorista do outro carro saiu desesperado pedindo que chamassem uma ambulância. Eu vi Helena morrer há poucos metros da minha casa. Eu vi tudo enquanto tragava meu cigarro. E tocava Céu naquela noite.



Listen: Cangote - Céu

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