About her...

... and things that I never said.


Era de manhã, bem cedo. Eu tinha ido comprar ovos, porque me deu uma vontade louca de comer pão com ovos. Pão com ovos lembrava a casa de minha vó. Eu acordava com o cheiro daqueles ovos mexidos com manteiga que ela fazia para a gente “ficar bem forte”. Enquanto eu atravessava a rua, segurando cuidadosamente minha dúzia de ovos eu pensei nela. Na minha vó. Ela era a senhorinha mais linda que já vi na vida. Ela era bem baixinha, como toda vó deve ser. Usava um oclinhos na ponta do nariz e tinha os cabelos bem branquinhos. Ela nunca pintou o cabelo. Dizia que era coisa de gente moderna, e ela não era moderna, “meu filho”. Eu adorava aqueles cabelos brancos dela. Eu achava que eram flocos de neve. Minha vó era o ser mais incrível que eu já conheci, superando minha mãe, Madre Teresa de Calcutá e a Rainha Elizabeth (eu acho a Rainha Elizabeth simpaticíssima). Ela morava no interior do Rio de Janeiro, tinha ido muito moça tentar a sorte na cidade grande e quando os filhos se encaminharam na vida, ela decidiu que era hora de ir prum lugar quieto e sossegado, mas no mesmo estado, pros netos poderem ir sempre passar os finais de semana e feriados com ela. E a gente ia. A casa sempre ficava cheia no Carnaval, Semana Santa, São João, Natal. Dona Nildes (“Josenildes, mas pra vocês eu sou a vó Nildes, porque é mais nome de vó”) esperava por aqueles momentos e a gente também esperava por isso. Eu adorava ir pra casa dela pra brincar no quintal, correr pela casa, meter o dedo nas panelas e ouvi-la contando as histórias dos tempos de infância lá no sertão. Vó Nildes era minha inspiração. Mas eu nunca disse pra ela isso. Eu nunca disse pra ela que o que me motivou a terminar a faculdade de Direito, mesmo querendo ser fotógrafo, foi o sonho dela em ter um neto “adevogado”. Eu nunca disse pra ela o quanto ela ficava linda naquele vestido rosa e usando seus brincos de pérolas, que fora da bisa. Eu nunca disse o quanto eu amava aquele seu sotaque e o jeito como ela dizia os eles, os erres e os esses. Eu nunca disse o pavor que eu sentia daquele papagaio que ela criava. Eu nunca sequer disse a importância daqueles ovos mexidos na minha vida. Eu poderia ter sido uma pessoa totalmente diferente sem os ovos mexidos da Dona Nildes.

Aí eu entrei em casa, joguei as chaves na mesinha do telefone e me deparei com aquela imensidão só minha, fruto de muitas causas defendidas. E meu telefone tocou. Era a minha mãe, pedindo pra eu ser forte e dizendo que, onde quer que estivesse, com certeza a Dona Nildes ia sempre saber de tudo.



Listen: Do amor – Tulipa Ruiz

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