Carta de um suicida
Belo Horizonte, 22 de
dezembro de 2014.
Sempre odiei a época do
Natal!
Sempre. Essa obrigação
de compartilharmos comida, presentes, risos e histórias. Pura hipocrisia de
quem passa um ano inteiro renegando, maltratando e mesmo sendo um grande
asshole. Não que eu não seja. Sou sim. 365 dias por ano, 24 horas por dia, sou
um babaca que ludibria, engana e trata com escárnio as pessoas que querem bem.
Talvez porque eu nasci com algum defeito genético que me faz ser assim. Talvez
porque eu me criei assim. Ou talvez pra tentar sinalizar que algo não está no
eixo perfeito. Desalinhado. Eu sou um completo e perfeito desalinhado.
Moro só desde os 18 anos.
Saí de Itabira pra fazer um cursinho e passar em Medicina na UFMG. Todos os anos
volto para minha Itabira só para fingir que sou feliz e bem sucedido e que
passo as noites estudando qualquer assunto que seja. Mentira. Na verdade passo
as minhas noites chorando e me culpando por todas as escolhas erradas que fiz em
25 anos de vida. Todos os meus amigos itabiranos que ainda vivem lá me
perguntam se eu sou feliz. Eu lhes pergunto o que é ser feliz. Eles dizem que
ser feliz é ser bem-sucedido. Eu lhes pergunto o que é ser bem-sucedido. Eles
dizem qualquer coisa e eu balanço a cabeça dizendo que deve de ser.
Olhei num dicionário o
que era ser bem-sucedido. Dizia “de sucesso; cuja situação financeira é boa”.
Não sou nenhum nem outro. Minha família não sabe, mas larguei a faculdade. No
quarto semestre descobri que nada daquilo se encaixava. Comecei a trabalhar
como vendedor pra me manter e manter minha farsa de que era um universitário “de
sucesso”. Minha situação financeira também não é boa. E uma das poucas alegrias
da minha vida é comer um pão-de-queijo com café bem quente e depois fumar uma
maconha dessas bem das boas. Quem encontrar essa carta vai achar que eu me meti
nessa por causas das drogas. Nem foi. Juro! Mas vou contar o que fez com que eu
tomasse esse monte de pílula e depois me enforcasse: a solidão. Encontrei a
solidão no dia 4 de agosto de 2010. Eu me agarrei a ela e ela se agarrou a mim
e viramos melhores amigos. Eu converso com ela, choro por ela e alimento ela
todos os dias. Ela foi virando minha amiga íntima, sabe todos os meus segredos
e temores. Sabe todas as minhas frustrações e sonhos. Sabe meu rg, cpf,
endereço, e-mail, número de telefone e pis/pasep. Sabe onde me encontrar, os
ônibus que eu pego, as ruas que entro, as pessoas que encaro nas ruas. Sabe mais
de mim do que eu mesmo. Eu tava andando pela Praça do Savassi, porque sempre
achei aquele lugar incrível, e vi aquela moça sentada num banco. Era ela... a
solidão. Ela perguntou meu nome, eu disse Carlos Henrique, ela falou que tava
me procurando há anos e saímos de mãos dadas. Nunca a abandonei. E ela nunca me
abandonou. Conversei com ela a pouco tempo, disse que minha existência na Terra
não fazia sentido, ela concordou e disse que deveria existir um mundo melhor e
falou preu tomar umas pílulas e arrumar uma corda e que tudo ficaria bem e eu
iria me libertar dessa sensação de impotência/incompetência. Ela também falou
que as pessoas iriam entender e que talvez demorassem de me achar. E que talvez
o pessoal de Itabira desse por minha falta, ou talvez nem se preocupassem
achando que eu tava muito ocupado com qualquer coisa da faculdade. Eu concordei
e fiz tudo o que ela me mandou. No final, ela mandou eu escrever uma carta para
que quem me achasse lesse e disse que iria cuidar de mim, até meu último
suspiro e que só iria embora quando tivesse certeza de que eu tava bem.
Eu descobri que não
fazia falta no mundo. Descobri que ninguém se importava com meu bem-estar, com
minha autoestima. Descobri que ninguém notaria minha falta, porque eu sou um
ser insignificante. Decidi que iria fazer o que a Solidão tinha me mandado
fazer. Decidi que iria em busca desse tal lugar onde as coisas são melhores. Decidi
que já não havia mais razões para continuar sendo computado na densidade
demográfica, pra ser mais um na multidão. Então, vou encerrar com esse ciclo
que se chama vida. Vou encerrar e vou em busca desse algo maior. Ela disse que
me esperaria. Que iria onde quer que eu estivesse e jamais me abandonaria. E eu
tô indo pra esse lugar. Se quiserem me encontrar, é só ir no Savassi. Minha alma
vai tá rodando por aquele lugar que eu sempre adorei.
Carlos Henrique.
Listen: Hurt - versão de Johnny Cash
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