Palavras, apenas

  Há muito venho tentando manter-me ocupada. Acho que por isso teço relações estreitas com as palavras. Na verdade, encontro nas palavras um verdadeiro porto-seguro, ao passo que sou egoísta em achar que as palavras estão para mim assim como a medalha de ouro está para o vencedor. Inexplicável. Não consigo dizer como ou onde essa paixão começou mas sei que começou. Desconheço outra coisa que consiga prender a minha atenção e que não sejam as palavras. A necessidade por expressar-me, escrita ou oralmente, "português" ou "inglesmente", me é real e não se mede. Se pudesse escolher uma maneira para morrer, de fato, seria lendo ou escrevendo, não importa o que. Este contato preciso e confidente com a palavra me faz tão dependente dela que um dia sem entendê-la soa como um dia inutilizado. Seu som, seu toque, sua melodia, sua história, sua significação, a palavra é tão rica; essa ingrata deusa que nos prega armadilhas, que é tão traiçoeira, também possui sentimentos. Quando você a mantém perto e a recebe como uma dádiva, respeitando sua sapiência, ela lhe abre um mundo vasto de novas companhias e te ensina todos os truques e vícios. Eis aqui um homem completo. Outrora se você a mantém distante, ridicularizando-a, desonrando-a, ela te ofende e te maltrata, de modo que vocês se tornam heterogêneos. Jaz aqui um homem solitário.

  Ela é doce, mas também amarga. Namorada de todas as horas, pronta para arrancar risos ou lágrimas, é dona de um enorme coração. Mora onde quer que queira, basta permitir que ela entre e faça da sua mente morada. Esse encanto incomparável torna-se um prazer indescritível. Talvez seja por isso que, qualquer que seja sua crença, de alguma maneira a palavra te consome e te consola, não importando-se em ser amante oficial ou secundária. Ela se contenta em existir em sua vida. E é essa a sua maior qualidade: a palavra é a única que exprime o que verdadeiramente é, maquiando-se ou não, somando-se ou não, desmoralizando-se ou não. Por fim, sendo ela mesma: PALAVRA.